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A ação realizada em 4 de fevereiro de 2020 consistiu em provocar uma chama temporária, com tecidos encharcados com material inflamável, no Monumento ao Anhanguera, localizado em frente ao Parque Trianon na Av. Paulista em São Paulo - SP. Chama essa que seria um invocativo de uma das narrativas da origem do nome “Anhanguera” (do tupi "diabo velho" ou "espírito maligno"), nome dado a Bartolomeu Bueno da Silva (pai) pelos indígenas Goyazes na região que se tornaria Goiás, quando o bandeirante ameaçou colocar fogo nos rios da região. Para demonstrar sua capacidade, colocou fogo em uma vasilha cheia de cachaça, com a premissa de ser água. O ato de colocar fogo na cachaça, inicialmente, foi realizado pelo bandeirante Bento Pires Ribeiro e, posteriormente, foi atribuído ao Anhanguera através de narrativas populares

Refazendo Mitos.

2019/2020. Registro em vídeo. ‘5"13

Refazendo mitos


    Com a constante presença do fogo na história recente, ocorre um marco de apagamentos e esquecimentos sobre nossa história: museus, igrejas, florestas. Gostaria de falar de outro fogo, o fogo como elemento criador. Esse fogo de que quero falar é um fogo anterior à ideia do fogo de Nero, é um fogo que evoca ou invoca, ilumina, transforma, é a divindade, ou a natureza, é um fogo antropófago.

    Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera) inverte o ritual invocativo e o leva para o campo do truque/charlatanismo, e com o truque não há divindade no fogo, mas a perdição e o sofrimento eterno do fogo da condenação. Sob esse signo, dá-se a passagem da civilização para além do Tratado de Tordesilhas e a continuação do ciclo da caça e da privatização do humano, da perseguição da propriedade fugitiva, sob o signo de desbravadores.

    Não pretendo, com o gesto, propor a destruição ou o apagamento desses monumentos – esses que queimem no próprio fogo –, pois existem como demarcadores de um lugar no tempo e ativadores da memória. Estão nos lugares públicos para serem repensados. Sem isso, temos uma pedra destituída de todos os seus mistérios. Com a retirada dos seus excessos, encontra-se em seu interior, com o braço firme, o oco de sentido, vagando estaticamente de polo a polo pela avenida-símbolo financeiro em busca de seu ouro. A imagem do herói inventado, religiosamente legitimado e perdoado pela Doutrina da Guerra Justa.

    Faça o exercício, encha um copo com cachaça e outro com água, coloque fogo na cachaça, beba a água do outro copo lentamente enquanto observa o fogo. Tente terminar de beber no mesmo momento em que o fogo apagar.

Converter o rio em chamas não adiantaria. No cerrado, a vegetação existe juntamente com o fogo, recebe-o do céu, queima-se e rebrota do tronco encarvoado ainda vivo. Suas raízes são duas vezes maiores que suas cabeças. Enquanto seu topo incendeia, molham seus pés nos rios por debaixo da terra, ao contrário dos pés em fila, que tateiam a poeira da superfície das trilhas, sujeitos ao fogo romano. Monumento erguido às poeiras.

Faça uma fogueira em local aberto, sente-se próximo ao fogo e olhe fixamente por um minuto. Beba um gole de cachaça, olhe para o céu e procure uma estrela. 

 

Helô Sanvoy

Proposições: 

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