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Até onde ver ou até onde ler?

Divino Sobral

Helô Sanvoy apresenta dois conjuntos de trabalhos bidimensionais e uma obra tridimensional, resumindo parte de sua produção entre os anos de 2012 e 2014. A proposta do artista  é exibir o desenvolvimento de seu projeto artístico com pesquisas sobre distintos suportes e meios, como  desenho, recorte e objeto. Dessa maneira ele revela como sua obra foi se construindo à medida que ia tecendo relações entre as linguagens verbal e visual, entre o visível e o legível, entre a palavra e a fotografia; esmiuçando o espaço do texto ou a estrutura gráfica da grid que separa e hierarquiza áreas de texto e de imagens; analisando aspectos que afetam o conteúdo de um texto, como a leitura e a interpretação da diagramação, da repetição de padrões gráficos e do ritmo das palavras em linhas, blocos ou colunas.

No seu repertório, estão as páginas de livro e de jornal alteradas por sua operação de deslocamento do cotidiano, pela particular intervenção que imprime sobre esses veículos. O aprofundamento sobre os modos de leitura é o que sustenta sua poética, e não o interesse pelo texto em si ou pela estética da palavra grafada. 

A série de sete desenhos "Sem Título", executados a nanquim sobre papel vegetal de diversos tamanhos e tonalidades, registra as marcações de leituras empreendidas pelo artista sobre textos diversos; são constituídos por linhas de pequenas extensões e com espessuras diferentes, por registros de paginações cujos textos foram subtraídos, por formas geométricas de intensa presença plástica que intensifica a pulsante e dinâmica estrutura construtiva dos trabalhos, organizada em torno da linha que cria colunas, blocos, espaços e sequências de manchas gráficas de preto sobre branco. Helô Sanvoy age com certa economia de ações, mas age também pelo excesso e pela saturação por meio da acumulação de muitos desenhos em um só, da superposição de páginas cujas transparências revelam as páginas antepostas, criando a memória de um palimpsesto, ilegível, mudo, sem palavras, mas cheio de ritmos musicais, de espessuras de pensamento, de lembranças e de apagamentos. Diante deles me pergunto: seriam anotações, citações, epígrafes, destaques ou rasuras que o artista-leitor promoveu sobre os textos e que guardam os vestígios de suas leituras?

Nos trabalhos da série "Notícias Populares", executada a partir de recortes em folhas de jornais, Helô Sanvoy também opera por subtração para criar outro viés de leitura das informações publicadas nas páginas. É relevante considerar seu processo artístico como uma operação de formação de uma hemeroteca, o que implica em considerar práticas que às vezes não vemos, mas que são intrínsecas aos trabalhos, tais como retirar de circulação, arquivar, colecionar, selecionar dados, criar problemáticos sistemas de catalogação, sejam visuais, sejam semânticos. Do conteúdo das páginas, o artista retira o texto que compõe manchetes, notícias, notas, legendas, anúncios, além dos nomes dos jornais e das datas de publicação. Sobram apenas as imagens, que, desamparadas do significado que os textos lhes conferiam, ficam suspensas numa zona turbulenta e descontextualizada, abertas às mais diferentes leituras que o espectador-leitor possa criar, preenchendo, com sua imaginação, as lacunas deixadas vazias pelo recorte do artista. Em alguns trabalhos dessa série, as superposições de páginas recortadas em camadas sucessivas criam labirintos intrincados de espaços vazios de informações, onde a ausência de sentido se revela. Há um teor político na operação do artista à medida que manipula os discursos da mídia esvaziando-os e criando campos interpretativos nos quais pairam dúvidas sobre o que é fato e o que é notícia, o que é verdade e o que é ficção, o que é manipulação de ideias e o que é liberdade de expressão.

Diferentemente dos trabalhos anteriores, "Im-Prensa" possui um peso muito mais forte na palavra, o que é enfatizado em seu título. É um objeto confeccionado com uma pilha de jornais prensados entre duas tábuas de MDF e presa nos quatro cantos por grampos de metal. É uma poesia visual com materialidade e fisicalidade tridimensional, na qual o conteúdo e a forma se fundem com naturalidade no simples arranjo dos objetos do cotidiano, apropriados e deslocados para uma estrutura formal na qual a palavra adere como parte constituinte e não somente como nomeação.

Texto para a exposição "6X Simultânea". Museu de Arte Contemporânea de Goiás (MAC). 2014. Goiânia-GO.

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