top of page

Em visita. Helô Sanvoy e Sérgio Adriano H

MAV e Galeria do Instituto de Artes – Unicamp

 

Sylvia Furegat

 

Texto de Apresentação:

 

Poética e vida são caminhos que a arte contemporânea tratou de revitalizar por meio do interesse e da postura pessoal dos artistas diante do mundo. Fazer-se presente; identificar na continuidade entre indivíduo e obra as questões próprias da subjetividade e dos desdobramentos identitários e constituir política por meio da expressão artística, tornam-se contextos metodológicos que impulsionam a formação da atual geração de artistas a alcançar prestígio no sistema das artes.

Esse caminho não somente redimensiona os interesses da classe artística ou sinaliza para a maior sensibilidade de seus públicos diante dos recortes temáticos assumidos pelos projetos culturais, mas também indica à instituição museológica, principalmente aquela vinculada à Universidade, sinal para que proceda suas pesquisas de modo a contemplar análises mais atentas às retificações, à inclusão e ao diálogo com grupos, comunidades e vertentes estéticas que historicamente não tem sido devidamente incorporadas ao seu cotidiano de trabalho.

No campo das artes visuais, trata-se de avançar, curatorial e museologicamente, em novas camadas conceituais dentre as trilhadas, já há algum tempo, na direção das renovações e aberturas que trazem vigor a este campo. Nota-se, na última década, o emprego de perspectivas existenciais fortemente pontuadas pelos artistas que tem reposicionado o lugar desse agente no corpo social, tanto quanto espelham o espectro em constante ampliação do campo artístico a partir da reavaliação das agendas e circuitos oficiais; da incorporação de outras espacialidades e temporalidades para o trabalho artístico; bem como as formas de interação entre os distintos anéis e agentes desse sistema.

Este lugar ocupado pelo artista evidencia seu interesse pela representação cultural, em parte contextualizada pelo aspecto não binário atribuído à micropolítica deleuziana, que dá força às manifestações de histórias pessoais ou ancestrais mobilizadoras dos elementos de classe, gênero ou raça. Ocupar esse lugar demanda o esforço redobrado de toda nova investida criativa e autoral, isto é, compreender essa energia vital como ponto de partida para a criação, sem desprender-se de elaboração poética cuidadosa, fortemente lastreada pelo campo artístico que se pretende dilatar.

Nessa direção, o estado da visita que reflete o convite aos artistas Helô Sanvoy e Sergio Adriano H para este projeto expositivo do MAV Unicamp, acolhido pela Galeria do Instituto de Artes de nossa Universidade, oferece a oportunidade de diálogo com dois importantes artistas que tem em sua formação a proximidade com a universidade, bem como atuação em variadas frentes do circuito artístico nacional.

Interagindo nestes dois núcleos, universidade e circuito, Helô Sanvoy e Sergio Adriano H tem construído caminhos poéticos que não se desvencilham da inquietude caracterizadora da arte contemporânea; da questão ética de suas subjetividades e de sua representação sócio cultural, fortemente lastreadas pela materialização de trabalhos abertos a experimentações entre a ação, a imagem e o objeto. Assim também propõem a incorporação de aspectos dos regionalismos que demarcam seus lugares de origem e de trajeto; as hibridações técnicas e estéticas entre o global e o local e um posicionamento estético marcado pelo estranhamento crítico das normalizações hegemônicas que pautam as narrativas das relações sociais e dos objetos que nos cercam.

 

Helô Sanvoy (Goiânia, GO, 1985) demonstra seu interesse pelas camadas de informação e velamento que podemos atribuir à materialidade das linguagens artísticas tridimensionais como a escultura, os livros-objeto, a instalação e a intervenção artística, dentre outras linguagens. Busca reelaborar a memória dos materiais comumente eleitos em sua produção, tais como: couro, sal, vidro, fogo, facas, tijolos, bandeiras, jornais diários e toda sorte de resíduos urbanos das cidades que tem instigado seu questionamento sobre o estado essencial desses elementos como coisa; sobre os modos como passamos a denominá-los, ou sobre os usos que deles fazemos nas estruturas sociais da atualidade.

Seu corpo também está presente como matéria artística. Ele o apresenta como portador de sua memória familiar e pessoal que ecoam a longeva resiliência do povo negro diante das hegemonias e normalizações das sociedades moderna e contemporânea, atestando assim, a multiplicidade de camadas de reflexão sobre sua produção. O corpo está na obra de Sanvoy tanto das operações de deslocamento pelo espaço urbano, onde se evidencia ora mais, ora menos, em constante apropriação da condição social da presença: autorizada, convidada, velada, invocada ou provocada nos espaços da urbanidade. Assim também se apresenta por meio de rememorações familiares em ações simples, porém tomadas pelo sentido da identidade cultural, tal como trançar os cabelos ao som da conversa “ao pé do ouvido” trocadas com sua mãe.

Sergio Adriano H (Joinville, SC, 1975) desenvolve seu trabalho pautando-se pela questão dos processos de branqueamento, racismo estrutural e tensões na formação do tecido social brasileiro. Para tanto, constrói uma refinada combinatória entre texto e imagem resgatados de experiências pessoais, da cena urbana cotidiana local e global, tanto quanto das narrativas históricas formais. Sua produção é fortemente embasada pela performatividade que se faz notar para além das ações, intervenções e performances. Está presente na maneira inquisitiva de suas fotografias e objetos, na exploração do autorretrato, tanto quanto no emprego de seu corpo, muitas vezes apresentado nu na imagem ou na performance, quando então investe-se de sentido de denúncia e reivindicação contra o apagamento social das pessoas negras. Predominantemente construídos com poucas cores, são trabalhos convidativos a despeito da sobriedade plástica que os estruturam. O artista busca envolver seus interatores no sentido aberto da pergunta, numa espécie de campo imantado criado por ele, em projetos expositivos que raramente se assossegam na forma da galeria-tipo.

Se as imagens e as frases trazidas por Sérgio Adriano H incomodam, é porque antes, foram sentidas e incomodaram. Desse modo, sugerem a ligação direta com os sentidos da estratégia da apropriação artística, avizinhada da apropriação cultural à qual sua poética se reporta. Observa-se também que a estruturação dialógica das perguntas suscitadas pelos trabalhos partem de seu interesse pelos elementos entre o conteúdo e o continente do qual são feitos os livros, como objetos culturais. A eleição de dicionários ou manuais que tem estabelecido as classificações textuais e visuais modelares para as ciências humanas, tanto quanto para as artes, há tempo suficiente para que sejam revisadas poética e discursivamente, são imediatamente reconhecidas em seus livros-objetos que demonstram ser a base de sua metodologia e produção.

Assim, em estado de visita, nos propomos à oportunidade de conhecer e compreender as múltiplas camadas constitutivas da arte contemporânea suscitadas por esses artistas, como representantes de uma jovem geração de artistas atenta às interações entre poética e vida e às fricções formuladas pelo contato, dado como certo, entre o artista, a exposição, a instituição e os públicos da arte de hoje.

Sylvia Furegat

Texto para a exposição "Em visita. Helô Sanvoy e Sérgio Adriano H" MAV  – Unicamp. 2014. Campinas-SP.

bottom of page